2 de janeiro de 2013

Sobre por que a comparação livro-adaptação em filme deve ser melhor ponderada (ou, quem sabe, acabar)


Quem nunca ouviu de um muito estimado amigo, ao sair de um filme adaptado de um livro, como supostamente o livro é bem melhor que o filme? Bom, suponho que a resposta seja "sim, todo mundo já ouviu e/ou proferiu tal lugar comum", ou talvez a pessoa viva sob uma rocha debaixo do mar próximo a uma cabeça tiki gigante submersa e um ainda mais inexplicável abacaxi do tamanho de uma casa.

Pois, adotar lugares comuns por tradição e por eles causarem o sutil efeito de fazer quem profere tal lugar comum soar levemente intelectual (para o olho não-treinado, visto que para o olho treinado a pessoa simplesmente parece amarga) é tão intelectual quanto odiar a Ayn Rand por padrão sem nunca ter lido nada dela só porque alguma outra mente de seu meio de conexões de amizades e semelhantes disse, ou talvez, mais especificamente, tão inteligente quanto achar que só conhecimento acadêmico é válido (a lista de comparativos é longa e todos soam deveras pedantes, tão pedantes quanto o ser que estou a retratar nesse texto de baixa relevância).


Em primeiro lugar, literatura e cinema são dois meios totalmente distintos de transmitir ideias, contar estórias ou simplesmente roubar dinheiro de pessoas que gostam de acompanhar as (muitas aspas aqui) "novas tendências no entretenimento". E na verdade é um pouco óbvio: enquanto a literatura se apoia basicamente na imaginação da pessoa (imaginação enriquecida por leituras anteriores e toda a experiência pessoal da pessoa), o cinema utiliza de fotografia, iluminação, sonoplastia, trilha sonora, bem como atuações distintas e continuidade (na verdade a lista é muito longa), etc., o que se resume em "coisa afu". O esforço é diferente, a exposição é diferente (enquanto no cinema o tempo é delimitado e o andamento pré-determinado, na literatura o ritmo é da pessoa e a interpretação é ainda mais livre que no cinema), fora que é muito difícil adaptar a mente de um autor, mesmo medíocre, para a tela. Todos os visuais, todas as reviravoltas. As vozes da narrativa, as metáforas dentro da narrativa que ou são transcritas por um narrador pedante ou são ignoradas em absoluto, além do fato de que nem todo desfecho que pode soar bom em um livro soaria bem em um filme (visto que um filme é produzido dentro de uma quantidade monetária específica, visto que nem todo ser imaginado em um livro tem um sósia dentro do subgrupo do mundo real conhecido como "lista de contato de atores", visto que etc.).

Um bom exemplo é o fato de incorporarem a personagem quase-que-totalmente insignificante Arwen na trilogia de filmes do Senhor dos Aneis para cumprir diversos papeis pequenos que só adicionariam mais e mais atores à lista de pagamento (e personagens à lista de "o que lembrar durante o filme" para o expectador), ou a exclusão total da personagem Tom Bombadil pois a voz semi-poética na qual a sequência desse personagem se descreve no livro seria no mínimo maçante e pelo menos ridicularizável na adaptação de cinema (vide todo o feel do filme e imagine a sequência de Tom Bombadil inserida nesse contexto e note que não estou falando muita bobagem não).

Obviamente no filme do O Hobbit a estória foi dividida em duas partes mais para alongar a produção (e os lucros) ao máximo, visto que um filme de O Silmarillion teria grandes chances de ser uma decepção e provavelmente quebrar a verba da produção. A série foi desenterrada e estão produzindo O Hobbit na grande (e lamentável) tradição contemporânea de ao terminar uma série tentar trazer o maior número de prequels e spin-offs possível para estender o lucro (O Hobbit apenas teve a coincidência de ser mais velho que a própria trilogia, o que soa como uma boa desculpa para desmembrar ainda mais o universo da Terra Média de Tolkien). Se quiser um melhor exemplo ainda dessa exploração de séries/sagas é só ver a anunciação de uma nova trilogia de Star Wars pós-episódio VI por George Lucas juntamente da venda da franquia à Disney (decisão a qual não vou comentar aqui pois criaria apenas um texto ainda mais longo).

E vale lembrar que algumas adaptações livro-para-cinema foram bem sucedidas, citando por exemplo Lolita de Vladimir Nabokov adaptado por Stanley Kubrick, 2001: Uma Odisseia no Espaço também adaptada do livro (esse de Arthur C. Clarke) por Stanley Kubrick (a qual causou questionamentos e dá o ar de abandono que o infinito vazio do espaço sideral era suposto a causar mas acaba falhando no livro por Arthur C. Clarke ser um bom imaginador mas um péssimo contador de estórias (tendência semi-constante nos grandes nomes da ficção científica)), a adaptação da obra de Mario Puzo para as telas (a icônica série O Poderoso Chefão) por Francis Ford Coppola (a qual fora tão bem feita principalmente por envolver Mario Puzo na produção). Eu poderia ficar o resto do dia citando exemplos mas o texto já está relativamente longo para os padrões anteriores desse blog.

Em resumo: chorar aos quatro ventos, mãos nas orelhas e olhos fechados (la-la-la-eunãoconsigoteouvir-la-la-la), que o livro é melhor que o filme não só é subjetivo como às vezes até redundante, por motivos de adaptação de meios distintos (de um para o outro), e é mais um sinal de ignorância literário-cinematográfica que uma proclamação (pseudo-)intelectual. Então, crianças, por favor.

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